Dando pitacos!

Porque todo mundo tem algo a dizer sobre tudo. Só não somos convidados sempre...
E a estrela Intrometida existe mesmo!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Baudelarie e a modernidade...

Sabe aquela sensação de ser escravo do relógio? Então, Baudelaire (1821 - 1867) já tinha percebido isso...
LXXXV 
 O Relógio

Relógio! deus sinistro, hediondo, indiferente,
Que nos aponta o dedo em riste e diz: "Recorda!
A Dor vibrante que a alma em pânico te acorda
Como num alvo há de encravar-se brevemente;

Vaporoso, o Prazer fugirá no horizonte
Como uma sílfide por trás dos bastidores;
Cada instante devora os melhores sabores
Que todo homem degusta antes que a morte o afronte.

Três mil seiscentas vezes por hora, o Segundo
Te murmura: Recorda! - E logo, sem demora,
Com voz de inseto, o Agora diz: Eu sou o Outrora,
E te suguei a vida com meu bulbo imundo!

Remember! Souviens-toi! Esto memor! (Eu falo
Qualquer idioma em minha goela de metal.)
Cada minuto é como uma ganga, ó mortal,
E há que extratir todo o ouro até purificá-lo!

Recorda: o Tempo é sempre um jogador atento
Que ganha, sem furtar, cada jogada! É a lei.
O dia vai, a noite vem; recordar-te-ei!
Esgota-se a clepsidra; o abismo está sedento.

Virá a hora em que o Acaso, onde quer que te aguarde,
Em que a augusta Virtude, esposa ainda intocada,
E até mesmo o Remorso (oh, a última pousada!)
Te dirão: Vais morrer, velho medroso! É tarde!"


LXXXV
 L'Horloge
Horloge! dieu sinistre, effrayant, impassible
Dont le doigt nous menace et nous dit: "Souviens-toi!
Les vibrantes Douleurs dans ton coeur plein d'effroi
Se planteront bientôt comme dans une cible;

Le Plaisir vaporeux fuira vers l'horzont
Ainsi qu'une sylphide au fond de la coulisse;
Chaque instant te dévore un morceau du délice
A chaque homme accordé pour toute sa saison.

Trois mille six cents fois par heure, la Seconde
Chuchote: Souviens-toi! - Rapide, avec sa voix
D'insecte, Maintemant dit: Je suis Autrefois,
Et j'ai pompé ta vie avec ma trompe immonde!

Remember! Souviens-toi! prodigue! Esto memor! 
(Mon gosier de métal parle toutes les langues.)
Les minutes, mortel folâtre, sont des gangues
Qu'il ne faut pas lâcher sans en extraire l'or!

Souviens-toi que le Temps est un jouer avide
Qui gagne sans tricher, à tout coup! c'est la loi.
Le jour décroît; la nuit augmente; souvients-toi!
Le gouffre a toujours soif; la clepsydre se vide.

Tantôt sonnera l'heure où le divin Hasard,
Où l'auguste Vertu, ton épouse encor vierge,
Où le Repentir même (oh! la dernière auberge!),
Où tout te dira: Meurs, vieux lâche! il est trop tard!"

As Flores do Mal (Les fleurs du mal)/ Charles Baudelaire; tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.


*Sim, estou justificando a minha falta de tempo pra me dedicar ao Pitacos... Dentre outras coisas=\

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