Dando pitacos!

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E a estrela Intrometida existe mesmo!

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O caso Ed Motta

Adoro as páginas em redes sociais que são administradas pelos próprios artistas. Deve ser libertador não ter um assessor te dizendo o que fazer a todo momento, ou inventando uma imagem pra você a cada semestre.

Mas também é possível provar do próprio veneno e estar sozinho pra lidar com a bagunça.

Digo isso porque parece que a polêmica do dia foi em relação ao cantor/instrumentista Ed Motta. Ao anunciar suas datas da turnê européia, o canto teve a (in)feliz ideia de dar um aviso direcionado aos brasileiros de toda Terra, que dizia basicamente o seguinte: "Não é um show para 'matar as saudades' do Brasil. É um show para o público europeu. Então, é pra não esperar que eu fale em português. Não é pra esperar que eu cante músicas como Manuel. O show não é voltado para vocês, mas vocês são bem-vindos, se entenderem a proposta."

Ele não disse essas palavras no post original, mas graças ao post do jornal O Globo que, graças aos deuses, transcreveu o post em questão (e as devidas respostas aos comentários aos quais o título e o subtítulo da matéria se referem - veja bem, o post original de Ed Motta foi muito claro e explicativo, ofensivo em alguns momentos...) eu pude saber do que se trata.

Enfim, por isso que digo que Ed Motta teve a infeliz ideia de escrever o tal texto. E terminou dizendo algo tipo: "que saco, tenho que explicar isso toda vez..." Isso, é provavelmente, ele deve passar por momentos bem constrangedores nessas turnês e certamente deve estar de saco cheio.

O que eu entendi:

1) Ele quer construir uma imagem forte internacional, que difere da imagem que ele construiu - ou que acabou sendo construída pelas circunstâncias... - no Brasil. Sim, vamos combinar, ele é o cara do "Manuel, foi pro céu". Falando nisso, "Manuel" é uma música muito boa, muito boa mesmo. Mas o Ed Motta também é o cara que estuda jazz! E escuta jazz pra-ca-ram-ba! E tem projeto na área. Lembro que fui no Leblon Jazz Festival num ano desses aí e ele foi se apresentar. Cara, o som dele... é NADA Manuel. Tinha uma época que eu o seguia no Twitter. O cara só fala de jazz. É sério. E nada mais natural ele querer essa imagem pra carreira dele. E nada mais natural AINDA ele deixar essa coisa festeira pra trás. Tipo a gravação dele pra "Fora da Lei". É uma coisa muito legal. Mas, acredite, isso NÃO é Ed Motta. Não mesmo. Então: ele certamente não deve curtir ser reduzido aos sucessos radiofônicos. Ah, e ele não quer viver na sombra do Tim Maia MESMO. Mas acho que isso ele já deixou bem claro, há muito tempo. Ah, e também não canta "Aquarela do Brasil" e similares...

2) Eu nunca morei fora do país. Conheço gente que mora/ morou, e acredito que a saudade do calorzinho da terrinha deve ser MUITO grande. Imagino aquela galera que sai de casa, larga família e tudo pra tentar uma vida melhor. Deve ser uma puta decisão a ser tomada. E viver em um lugar que não é o seu deve ser muito ruim. Se você não conhece o idioma, então... pior ainda. Por isso
que eu acredito que, se você está há tanto tempo fora, qualquer coisa que te faça lembrar de casa é bom, ajuda a suportar... Bom, isso não vale para os shows do Ed Motta. E, nesse sentido, gostei da sinceridade dele. O show dele não é pra lembrar o Brasil. Ele não quer lembrar o Brasil. E, sinceramente, ele está no seu direito de não querer. Ele não quer botar todo mundo pra sambar, abrir um bandeirão, etc. É uma decisão comercial, apenas. Ele não tá dando uma banana para o Brasil e vai viver na Europa, uma coisa não tem nada a ver com outra (apesar do senso comum achar que, só porque o fulano nasce e vive no Brasil, somos obrigados a abraçar a bandeira e gritar "Sou brasileiro, com muito orgulho e muito amoooooor"). Na verdade, acho que se ele quiser ele tem muitas condições em viver na Europa, e bem. Mas ele não quer, e isso não é problema nosso. Ele quer é uma faixa na carreira que não ligue o som dele ao Brasil. Ele tá errado em querer isso? Em não querer se vender como "som brasileiro"? Se alguém for ver os posts e twittes dele, vai entender.  

Lembro de quando a Shakira foi redirecionar a carreira para o mercado norte-americano. Ela ficou loira. Gente, ela até ficou loira! E nunca tinha visto ela com tão pouca roupa. Vejam bem, não estou falando de sonoridade. Estou falando de estratégia. Shakira quis outro público. Certamente quando anúncios dos shows da "nova" Shakira apareceram nos EUA, a comunidade hispânica deve ter ficado feliz. Mas tudo aquilo não era pra eles. Ela os respeita (acho), mas ela optou por gravar em inglês. O show que ela apresentou no Rock In Rio foi com músicas em inglês e ela se comunicou em inglês em boa parte do tempo (e ela é
fluente em português, acho isso uma gracinha). E todo mundo acompanhou, ninguém reclamou. Bom, talvez na Colômbia. Mas não chegou aqui.

De qualquer forma, eu vejo essa decisão do Ed Motta como algo puramente comercial. Não me parece que ele tem vergonha do público dele aqui - porque, aí é o pulo do gato, o público dele DE VERDADE sabe disso. Aí vem o (desagradável) nº 3.

3) "Meu público brasileiro de verdade na Europa é mais culto [...] o negócio é vai uma turma simplória que nunca me acompanhou no Brasil [...]" - e aí ele descamba para os estereótipos. Então... essa fala é muito elitista.

Não precisava ser ofensivo. 

Me parece (eu não tenho como dizer com certeza) que: "estou fora do país, estou com saudade de casa. Opa, Ed Motta na Europa!!!" O tipo de imigrante que o show quer atrair não é o camarada que nunca OUVIU o que Ed Motta faz (quer ouvir os sucessos populares, "Manuel", etc.). A proposta do show é outra, para um outro público. Lembra quando eu falei do "verdadeiro" Ed Motta? O puro jazz? Então. Guenta a pressão.  E essa fala é desagradável porque, putz, é elitista demais. Aí ele perde minha simpatia. Quer dizer que o cara que  trabalha como operário não tem como conseguir pegar a essência da música do verdadeiro Ed Motta? Nossa, esse trecho me dá nojo. Agressividade desnecessária. E olha: eu trabalhei com João Donato, e nem ele que é um dos pais da Bossa Nova - e ele é admirado pelo Ed Motta, inclusive - é assim! E o nome do Donato está na história da música mundial, ele é o COMPOSITOR de "Minha Saudade", caramba! Donato é puro abraço! Tinha tudo pra ser a pessoa mais escrota do PLANETA só pelo "Minha Saudade", mas não é. Não precisa ser.

Eu concordo, eu sei porque já ouvi: o verdadeiro Ed Motta não é para iniciantes. Mas, não que tenha faltado um pouco de humildade na fala de Ed Motta (não, que isso), mas ele cuspiu para o alto. Instrumentistas de jazz, antes de fazerem escalas e mudarem o mundo, não nasceram ricos. Já tiveram empregos que não tinha nada a ver com a música. Já entraram em clubes de graça. Já passaram fome. Mas amavam a música, tinham vontade de ouvir, e assim se entregaram. Então o operário não pode ter um mp3 player e baixar discografias pra ouvir em casa quando chegar? Não assiste a concertos de graça aos finais de semana? (cara, como tem disso na Europa, sério!) 

4) Sim, a língua é uma barreira importante. Mais uma vez: o público do Ed Motta na Europa é outro. Mas, putaquepariu, nessas horas eu super concordo com o Donato, que é o cara que faz um puta sucesso no Japão (e eu falo MUITO SÉRIO quando digo "puta sucesso") e não sabe falar japonês (ele arranha...). A música instrumental tem dessas coisas. É boa em qualquer lugar, sem precisar de ninguém cantando. E outra: o Ed Motta não vai fazer stand up, então não sei o motivo dessa forçada de barra na questão do idioma.


É nessa hora que o Ed Motta PRECISAVA MESMO de um assessor. Nenhum louco deixaria um texto desse sair assim. Não precisa ser agressivo desse jeito. Foi uma cagada descomunal. Muito, muito negativo. E o pior é que ele se deu o trabalho de responder às críticas - tão "educadas" quanto as dele ou pior. Aí se caga mais ainda. O brasileiro é um povo passional. É hipócrita, mas faz um barulho danado quando quer. Se ofende a chamada "brasilidade", já viu... Ed Motta não precisa abrir uma porta e bater a outra na saída. Não precisa, definitivamente. Dá pra conciliar os dois, numa boa. 

Por outro lado, que bom que ele escreveu esse texto, porque é assim que a máscara cai, né?

Mas... Sério, cara. Contrata um assessor pra acertar isso aí. Isso se você quiser fazer alguma coisa no Brasil num futuro próximo.