Dando pitacos!

Porque todo mundo tem algo a dizer sobre tudo. Só não somos convidados sempre...
E a estrela Intrometida existe mesmo!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O que ficou do Oscar (texto postado originalmente no meu Facebook)

Gente, esclarecimento meu: EU SEI que premiações como Oscars e outros NÃO são pra serem levados a sério no sentido da MERITOCRACIA (o mesmo vale para a competição que envolve os desfiles das Escolas de Samba do Rio). Sempre haverá algum filme injustiçado, algum ator MUITO melhor que muito indicado e que ficou de fora da lista final, etc, etc, etc. O que é absolutamente normal, filme tem que ser bom sempre, independente de se esperar um reconhecimento por isso ou não.

O que me motiva a ver e acompanhar essas coisas é que isso funciona, pra mim, como um termômetro cultural e social daquele ano ou daquela época. (Ok, amo um tapete vermelho também, mas essa não é a questão) É um dos motivos pra acompanhar desfiles de Escolas de Samba também, e por aí vai. Sei também que o que vai pro Oscar é SÓ UMA PEQUENA PARTE do que é produzido no MUNDO. Existem milhões de festivais por aí com muito mais coisas, gostaria e ir em todos, mas tenho sérias restrições de tempo e orçamentárias. Quem me acompanha por aqui e/ou tem a ""felicidade"" de receber alguns e-mails meus, sabe que volta e meia eu chamo atenção pra algum festival bacana (e/ou estranho) possível, ou, quando é realmente impossível pra mim, indico pra aqueles que tem a possibilidade de ir. E já teve muita gente que já me chamou pra muita coisa tipo "festa estranha com gente esquisita" dos festivais de cinema, e eu fui.

Agora, reconheço o domínio dos EUA em matéria de INDÚSTRIA cinematográfica, de comércio, o business. Já li Walter Benjamin demais, Adorno, Horkheimer, Deleuze, Bergson e comentadores. E VÁRIAS VEZES me deparei com referências ou críticas ao cinema americano. O sol nasce e vai embora, o cinema americano ainda está lá. Tenho livros e livros sobre história do cinema, curto mesmo esse assunto, porque eu acredito firmemente que é esse cinema gringo que dita a nossa forma de contar histórias por aqui (e por consequência, o padrão estético das produções e por aí vai). O mesmo anda valendo pra TV (alguém se lembra de "Avenida Brasil" e sua estrutura e ritmo que lembrou as séries americanas? Então, olha o sucesso que foi.) Isso não significa que eu goste...

Ao mesmo tempo, tenho DURAS observações sobre o mercado de cinema comercial brasileiro, que tá mais perdido que cego em tiroteio, se vendendo às organizações Globo (sempre ela...) em nome de produção de ponta e distribuição. E se tornando a continuação da TV (não me conformo com filmes que mal saem do cinema e já viram "mini-séries" [eles não foram feitos pra isso, PORRA!]). E com aquele velho conhecido "fator Globo" de temática e qualidade. Por outro lado (mesmo), tenho muita simpatia pelo cinema argentino, que tem o seu próprio ritmo e linguagem diferenciada. Os filmes que vi são deliciosos, e gostaria de ver mais.

Ainda assim, o cinema americano ainda está lá, ditando o "padrão-mór" das produções (acho que "Tropa de Elite" não sairia muito da linha que foi se fosse dirigido por um gringo), dominando a "Sessão da Tarde", "Tela Quente", "Cine Espetacular" e o canal "Telecine Premium". E quando tem Oscar, tem dezenas de PAÍSES assistindo. O alcance disso deve ser fenomenal.

Por isso é sempre bom quando vejo "algo de podre no reino da Dinamarca". Quando vejo que o que é pintado colorido nos filmes, ganha um tom mais cru na realidade. Quando vejo que um prêmio de consolação bobo - porque, no caso de "Selma" foi isso mesmo, um prêmio de consolação - gera um discurso poderoso que vira mote pra esse artigo no Washington Post​. Que se discute nessa premiação a falta de negros em categorias de destaque (como bem disse Neil Patrick Harris​, "tonight we honour Hollywood's best and whitest, I mean, brightest,"). Que coloca na mesa a questão do suicídio. Que coloca a questão da mulher. Que coloca na competição um filme horroroso como "American Sniper" (sim, eu vi) e o deixa sem reconhecimento (graças aos Deuses!). E isso é transmitido pro mundo inteiro, reproduzido, copiado, zoado. É isso que me interessa, de verdade. Que bom que, dentro da história dos Estados Unidos, um filme que discute sobre o negro não deixa a discussão sobre a violência contra o negro morrer (lembrando que as histórias dos assassinatos realizados por policiais em bairros pobres e contra crianças negras eclodiu ano passado! E a questão ainda continua em pauta!).

É possível que, talvez, eu estaria dando "muita importância" pra essa indústria. É possível. 

De qualquer forma, isso está me possibilitando uma gama de discussões, de todos os tipos. 

É isso. Claquete.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Do Oscar: "O Jogo da Imitação" (e esse é um filme de amor)

Filme que poderia dar a Benedict Cumberbatch o Oscar (tenho quase certeza de que não vai, explicarei melhor ao fim do texto, mas tá todo mundo preferindo o água-com-açúcar “A Teoria de Tudo” e o canastrão Eddie Redmayne) é mediano em relação ao que (aparentemente) se propôs: mostrar em como o gênio da matemática, Alan Turing, mudou o cenário da 2ª guerra mundial. Ok, é difícil inserir uma aula sobre criptografia em um filme com aparente foco na guerra, fica tudo muito raso no fim das contas. Um dos benefícios de se estudar História é aprender o passado e fazer o link com o presente, pra evitar antigos erros e talvez mudar as coisas. Acho muito difícil que o espectador médio, que assistiu “O Jogo...” vá fazer essa conexão e pensar que hoje em dia a questão das mensagens criptografadas ganhou uma importância e uma dimensão muito maior do que Turing poderia imaginar – é só dar uma olhada nos noticiários pra perceber o espaço que a troca de mensagens e a disseminação de informação ganhou nos últimos conflitos mundiais, graças à internet. Hoje estamos tentando discutir “segurança” na internet, e em vários momentos eu pensei sobre isso, e no quanto de informação importante (não tô falando em coisas bobas, tipo o meu relato de final de semana no Facebook, por exemplo) passa por mim de forma invisível. Tudo isso graças a muitos mecanismos, um deles a criptografia. O filme até tenta ser didático, fazendo uma analogia com aquela prática que a gente tem quando criança, de codificar nossas mensagens (e depois nos esquecemos dos códigos que nós mesmos criamos, hilário!), ao mostrar o jovem Alan com seu amigo Christopher.

Mas, então, eu disse que o filme é um pouco raso nesse sentido, né? É porque tem outro grande tema envolvido: a sexualidade de Turing, em um período onde ser gay era o equivalente a ser criminoso aos olhos da lei e da sociedade. (Hoje é só aos olhos da sociedade: apesar do discurso querer mostrar o contrário, a prática ainda é punir socialmente os gays, lésbicas, trans e bisexuais. Infelizmente estamos muito longe de uma sociedade que respeita DE VERDADE o próximo...)

Esses dois grandes (grandes!) temas se confundem e, no fim das contas, um acaba prevalecendo sobre o outro.

Saí da sessão firme: o filme não era bem sobre a guerra, mas sobre um homem e sua afirmação enquanto gay perante a sociedade. Era uma história de amor, entre Turing e Christopher (ainda que representado por uma máquina). Ponto.

Turing era um matemático brilhante. Em nenhum momento isso ele se sente menos inteligente. Nunca duvidou de sua própria teoria, embora tenha passado por dificuldades, apenas a ajustou. O que ele fez dentro do exército ele poderia ter feito em escala menor dentro da Universidade. As diferenças eram a falta de motivação (que veio com a guerra), e a grana, claro. Mas eu, enquanto espectadora, não tinha dúvidas de que isso não era bem uma questão para Turing, mas sim um desdobramento natural dentro de sua carreira como matemático.

A sua grande luta foi contra o preconceito.

O filme é bem sutil ao mostrar momentos da infância de Turing e a sua relação com Christopher. As trocas de bilhetes, influências (ainda bem que Christopher era um menino superinteligente! Sabe quando você está com alguém e esse alguém só te puxa pra cima? Te estimula a pensar, a ler... Foi essa sensação que tive...), o companheirismo (quando ele salva Alan de uma situação horrorosa – prefiro nem descrever, porque rola uma claustrofobia só em pensar...). A cena em que o diretor da escola avisa que Christopher morreu é de cortar o coração. E é o primeiro contato forte, institucional, de Alan com a homofobia. Ele se segura firme pra não demonstrar nada – é a sua primeira lição de sobrevivência em um mundo preconceituoso.

Assim como na sua relação com a matemática, Turing também não demonstra qualquer dúvida ou algum arrependimento por ser gay. Nenhuma. E esse é um ponto a favor pro filme. Sempre que vejo filmes sobre/ com temática gay, é pelo viés “saída do armário” (não estou falando de filmes mais contemporâneos ou super independentes, tô falando do mainstream mesmo): todo o sofrimento em se aceitar ou não, o primeiro amor não correspondido, a tentativa de ser hetero... Esse, não. Alan Turing se aceita como ele é. Gosta de homem, e ponto (embora entenda que exercer isso é difícil na sociedade em que vive). Tem isso bem claro na sua mente, não manda o caô de que vive lutando contra seus demônios internos, não fica fazendo cara de nojinho... A única vez que ele se submete ao contrário, é por conta da punição por seu “crime”: precisa ficar ingerindo substâncias que, supostamente, vão inibir seu desejo por outros homens. Até ele sabe que isso é palhaçada. Mas era melhor que viver na prisão, longe de Christopher, agora personalizado em uma máquina. Quando ele pede Joan Clarke em casamento, é muito claro pra mim (e acredito que seja pra todo ser vivo pensante que viu o filme) que ele faz isso em nome do projeto de criação da máquina. Ela é uma pessoa bacana, inteligente, mas... não rola. E ele nem tenta! No filme todo ele não dá um beijo nela! E quando eles “terminam”, ele é bem claro: “Filha, eu gosto de homens...” Ela diz algo tipo: “Tá, eu meio que já sabia, mas a gente vive um casamento de aparências, então”. Ele: “Filha, eu não vou deixar de pegar os homens, aí você vai acabar se ferrando...” (diálogo inventado, mas o sentido é mais ou menos esse.) Alan Turing já tá fora do armário (pra si) há muito tempo! Ok, ele não andava enrolado na bandeira arco-íris, mas... ele não se negava enquanto gay. Simples assim.

Essa é a beleza do filme. Esse É O FILME, pra mim. A Grande Guerra é só um pretexto pra nos mostrar a sua guerra diária, que é ser alguém que vai na contramão do que a sociedade dita.

E quando ele está nas últimas (falando nisso, essas sequências são super teatrais...), quem ele quer ter ao lado? Christopher (a máquina). Seu amor, sua homenagem àquele que fora arrancado da sua vida.

Nada me tira da cabeça de que “O Jogo da Imitação” é um filme de amor.

E o que eu posso falar de Cumberbatch? Um fofo. Mas ele precisa parar de fazer “Sherlock”. Sério. Me corta o coração dizer isso, mas não aguento mais. Tinha cenas que não era o Alan Turing falando, mas era o Sherlock Holmes. E a culpa nem era bem da interpretação do Cumberbatch, não... o cara se deu o trabalho de mudar o seu tom de voz, sua postura, o ritmo... Era a construção do texto mesmo. Me diz se não é “muito Sherlock” a sequência que mostra como que Turing conseguiu a autorização e o dinheiro pra construir a máquina? Sherlock Holmes total! O início do filme, então... a primeira impressão que tive de Turing foi de que ele era tão obsessivo quanto Sherlock. A medida que o tempo passa, os dois personagens vão se distanciando – até porque Turing é super gay, e Sherlock é super... Sherlock, rs. Enfim. Gosto muito da série da BBC, mas ele não pode se resumir ao Sherlock.

Só que não é por isso que acho que ele não vai ganhar o Oscar, não. (porque tem um monte de gente que faz sempre o mesmo papel e ganha um monte de coisa)

Eu acho que ele não deve ganhar porque o personagem que ele interpreta é muito, muito, gay. E a Academia não gosta de gays.

Ah, mas como assim? O Jared Leto ganhou no ano passado por uma personagem trans...
  1. era uma personagem coadjuvante.
  2. o filme discutia sobre a AIDS e a indústria de remédios.
  3. o filme não discutia, em primeiro plano, sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo. E sim sobre um problema que passou a afetar héteros também.

Sabe qual filme discutia sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo? “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005). Seus dois atores, Heath Ledger e Jake Gyllenhaal, foram indicados no Oscar 2006. Não tenho nem ideia de como imaginar o processo de criação que resultou em dois atores héteros fazendo cenas de amor tão fortes. Mas eles foram valentes, seguraram a onda, mostraram ao que vieram. Foi o filme da vida deles. Desse ponto em diante, eles foram considerados Atores. Mas a Academia cagou pra isso.

Tudo bem, é mais que obrigação o ator fazer muito bem o seu papel. E no fim das contas, o que fica pra posteridade é o impacto que aquilo tem no público, e não necessariamente os prêmios que aquele filme ganha. Por isso, Heath Ledger, por exemplo, será lembrado pra sempre por seu Ennie Del Mar e, posteriormente, pela excelente construção de seu Coringa (ironicamente Jared Leto herdou esse papel...).

O que eu quero provar é que existe uma questão política muito forte nisso. Ok, Hollywood é cheeeeeia de gays nos bastidores, atores são gays, diretores são gays (não sei citar nenhum, mas deve ter), mas... temos um problema de representatividade frente às telas. Assim como personagens/ intérpretes negros ganhando o prêmio é uma coisa rara de se ver (esse ano não há nenhum grande indicado negro), ver um gay assumido levando o caneco é igualmente raro. E ver um personagem histórico gay (interpretado por um hétero) ganhando o reconhecimento mundial... é muito difícil. Lembra quando disse lá no início do texto que existem as leis sociais? Então. Acho que será por causa disso que não vai ser dessa vez pro Cumberbatch. Se for, eu vou ficar muito surpresa. Muito MESMO. Mas eu duvido, uma vez que tá saindo um monte de prêmios pro insosso e igualmente playboy Eddie Redmayne e pro Michael Keaton.

E pra fechar esse texto, ainda na questão da representatividade, lembro do final do filme e suas letrinhas que contam “o fim da história”: lá pelas tantas, o filme informa, todo orgulhoso, que Alan Turing recebeu o perdão da Rainha Elizabeth II em 2013.

Lembra que eu falei das “leis sociais”?

Pra alguém receber o perdão de algo, precisa ter feito algo de errado.


Qual foi o erro de Turing mesmo?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Do Oscar: "Sniper Americano"

Primeiro eu preciso contar o que me motivou a assistir “American Sniper”: tempo livre.

É isso, eu não tinha muita coisa pra fazer, estava esperando alguém no shopping, ou algo do tipo, e tentei assistir “50 tons de cinza”, mas era o dia da estreia e as sessões estavam lotadas, então eu não pensei duas vezes, comprei o ingresso.

É CLARO que me arrependi. E não é pelos motivos óbvios.

“American Sniper” é o tipo de filme que não tem história.
Como assim, não tem história!?
É assim, ó: pega um cara que poderia ter uma história interessante, que poderia puxar discussões incríveis, e decida não desenvolver nenhum desses itens para no fim discutir sobre absolutamente nada e, no fim das contas, massagear o ego de toda uma nação. Isso é o “American Sniper”.

Gente, não vai ter como comentar sem spoiler. Porque não tem história (no sentido de dramaturgia, não de biografia) pra ser contada.

O filme começa remetendo ao passado do Chris Kyle - o tal sniper que contabilizou 160 mortes em guerra em um período de 10 anos. Aí é aquela infância clássica do Texas, né. Igreja, caçada, amém. Aí eu pensei “ah, o pai dele batia nele”. Cara, não era bem assim. O cara teve uma vida até que normal. O pai ficou no pé dos filhos (ele tinha um irmão) inserindo ideias do tipo Nietzsche, “sejam aves de rapinaaaa!” (não foi essa analogia que foi apresentada no filme, mas a ideia é essa, não ser os caras que fazem a merda [que são covardes], nem ser os caras que sofrem a merda [que são cagões – ou quase isso], mas ser o terceiro elemento, aquele que decide, que resolve, o elemento forte). Enfim, não justificou muito, pelo menos pra mim, o fato de ser um sniper. Na verdade, só mostra o encadeamento lógico: ele atirava muito bem, aprendeu com o pai durante a infância, então foi fácil pra ele se tornar sniper (mais pra frente ficamos sabendo que ele entrou um pouquinho velho pra SEAL, 30 anos, então não havia muitas coisas pra ele fazer, ele só poderia se destacar nisso mesmo).

Aí, ok. Chega na fase adulta do Kyle. Ele vivia de rodeio em rodeio, com o irmão, tentando uma carreira. Esse é o segundo momento do filme que eu fiquei pensando que algo iria acontecer, mas, nada de novo: os consulados dos EUA sofrem atentados, Kyle vira pra TV e sente que “precisa defender o país”. Assim, sem mais nem menos, sem qualquer discussão. De uma hora pra outra, ele resolve se alistar. Acabou essa parte.

Chega na fase de alistamento e treinamento do Kyle. Eu fiquei esperando aquelas cenas tipo “Tropa de Elite”: “Pede pra sair!!!!”. Até tem, mas nada que supere o treinamento de Capitão Nascimento. Eu jurava que seria o início de uma propaganda dos SEALS, mas ninguém é maltratado, rola um “bullying” em um gordinho (que depois, claro, perde peso), mas... nada de novo. Só cenas do tipo “ele sofreu no treinamento, mas teve determinação e foi até o fim” - é quando ficamos sabendo da idade dele quando ingressou no exército. E pronto, nenhum drama.

Aí ele conhece a futura esposa. E eles se apaixonam. E se casam. E é isso.

Nesse meio tempo, rola o 11 de setembro. Aí ele vai pra guerra.
E mata pela 1ª vez. E é uma criança. E, não. Ele não se arrepende de nada. Não sofre, não tem crise ética, nada; e ele salva o dia várias vezes. Algumas ele não consegue, mas... como não tem nenhum vilão personificado – perdão, até tem uns “eleitos”, que são eliminados pelo caminho... enfim, nada que vingue. Kyle está cada vez mais convicto no seu papel, de fazer a proteção dos Estados Unidos (guerra que nunca chegou ao território americano). Kyle não recusa o seu apelido, “Lenda”, ao mesmo tempo, representa o pensamento do que eu acredito que seja o norte-americano médio: “eles estão nos atacando”, “nós precisamos nos defender”. Sem muita crítica, classifica o seu inimigo como “selvagens” (nessa hora, tocou na minha cabeça a musiquinha do filme “Pocahontas”, que dizia: “São bárbaros! Bárbaros!”), e não há ninguém pra lhe dizer o contrário, ou discutir sobre essa questão.

Em alguns momentos ele volta pra casa. Fica tendo aquelas coisas esquisitas que todo mundo que volta da guerra tem. Aí eu penso: “ah, tá, então o filme vai focar naquela luta da volta pra realidade...”, e não, de novo. Não acontece nada.

Aí ele volta pra guerra. A esposa fica nervosa. Reclama que ele tá perdendo o crescimento dos filhos. Ameaça se separar, e... nada. Ele volta, amoroso, se esforça.

Nessa altura do campeonato, eu já tinha desistido de encontrar uma trama. Não há uma história a ser contada, e sim feitos. O filme todo é uma homenagem aos feitos de Kyle. Ele nunca é mostrado como alguém desprezível (pelo menos, não para os americanos), ou questionador. Sua participação na guerra termina, e ele literalmente não se arrepende de nada (diz que vai prestar contas a Deus, apenas). Aí, como terapia (ocupacional?), ele passa a acompanhar veteranos de guerra. E estaria vivendo bem assim, até hoje, se não fosse morto em 2013 por um veterano (que também não sabemos as motivações para o tal ato, e o filme não se atreve a propor nenhuma interpretação disso também). O filme também não cita o momento em que Kyle resolve contar sua história em livro.

O filme dá ao espectador (provavelmente o norte-americano) o herói que tantos procuram; aquele que estava sempre pronto a servir e proteger; o mártir. Em relação a esse último aspecto, mesmo com Kyle tendo morrido fora de combate, o filme é claro em mostrar que ele era adorado (usa fotos e imagens reais do velório, e são impressionantes), e com o fato do militar não se arrepender de nenhuma das mortes contabilizadas (pois estava defendendo seu país, e isso, pelo visto, está acima de qualquer ideia de humanidade). Logo, o filme dá aos nacionalistas o que eles querem.

Brilhante estava a caracterização do Bradley Cooper. Ganhou massa legal, caprichou no sotaque. Ok, fiquei puta por ele ser um dos produtores, o que só me leva a crer que ele será um George Clooney às avessas – se um é humanista, ele é... sei lá, carniceiro.

Rendida (e puta da vida), aguardo os créditos finais. E aí vem a maior cretinice que já foi realizada comigo em uma sessão de cinema: após as fotografias finais (foi um show de power point muito sóbrio, bonito, você tem que ver), a música acaba. E sobem os créditos. Em silêncio. Ora, você está vidrado no filme (não significa que está gostando, mas está prestando atenção [vi esse filme uma vez, antes do carnaval, e fui capaz de descrevê-lo aqui, então eu realmente estava prestação atenção no que estava vendo]), a sala toda em silêncio, a cena final foi lamentando a morte do cara, e...

… cara, eu prestei tributo a esse cara, sem eu querer.

Tipo, “1 minuto de silêncio”, sabe?

Quando eu percebi que A SALA TODA ESTAVA EM SILÊNCIO, peguei meu celular, desesperadamente, pra tentar ligar pra alguém, fazer algum barulho, pra quebrar aquele clima maldito. Na verdade, o filme é muito cru em relação a música. Também, faz sentido: como não tem aquela montanha russa de emoções que a dramaturgia faz, resultando numa parada muito maior (como diria Aristóteles... cadê a catarse???), então não tem muita música não.

Tem tiro. Muito tiro.

Enfim, voltando ao meu problema de fim de filme: achei aquilo super cretino. Imaginei uma sala IMAX nos EUA com aqueles caras que concordam com tudo aquilo que Kyle defendia, e eles estariam chorando de emoção.

Não. Não, não, não.

Esse foi o meu maior problema com esse filme. Essa manipulação.
Até perdi a vontade de fechar melhor esse texto, lembrando do que eu senti ao final desse filme.


Taí. Esse é o grande mérito de “American Sniper”: me levar, sem eu querer mesmo, ao tributo a um dos maiores assassinos da história recente da humanidade.