Dando pitacos!

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E a estrela Intrometida existe mesmo!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Metrópolis - as partes que dão para encaixar. (Final!)




Interlúdio

Este é o momento do caos. Maria é raptada e torna-se molde para o famoso robô ganhar vida. Freder entra em desespero, é aquela coisa toda e tal... E (agora) a falsa Maria coloca a cidade inteira de cabeça pra baixo (Brigitte Haim em momento inspiradíssimo, corpo maravilhoso...
impactante, sensual).
Quero chamar atenção ao seguinte: aqui, a falsa Maria se tornou a personificação da maldade, tirando o foco de Joh Fredersen. Na verdade, a vida estava ruim para todo mundo há tempos: os trabalhadores estavam quase enlouquecendo por conta do ritmo de trabalho; a cidade acontecia acima deles e eles permaneciam na escuridão, abaixo de todos. É importante observar este detalhe pois é justamente o que me impressionou mais no fim do filme: se existe um vilão, ele se encontra camuflado durante todo o tempo, é substituído por outro mais evidente (no caso, por Rotwang). Ou melhor dizendo, o vilão de ocasião é o cientista, porque ele é maluco (só tenho essa explicação), o problema não é a questão dos trabalhadores, mas sim o aué que a falsa Maria vai fazer baseado na conjuntura. O problema “aceitável” é o que Joh proporciona, e o absurdo vem do cientista. Ele é que não tem noção quando desenvolve um robô para dominar Metrópolis. Essa maldade se torna infinitamente maior do que a maldade diária proporcionada por Fredersen.
Como sempre, a gente pode pensar: quantas vezes ao dia sofremos calculadamente um pouquinho, e nos acostumamos com isto? E geralmente, quando estamos perto de explodir, surge algo maior que acaba, sem querer, impedindo nossa reação? Pois é isso o que acontece com os trabalhadores nessa parte do filme, e acaba gerando uma mudança de rumo, de foco também, pois o responsável por manter os trabalhadores naquela situação passa de malvado (ou de “responsável” mesmo) para mais um cara que “luta pelas forças do bem”. Isso me lembra histórias infantis, especialmente aquelas que envolvem alguma “realeza”: o povo sempre precisa manter a ordem política; se há um rei, então a história gira para se manter o rei, ou a princesa, o que for. O problema é a realeza ocupada por gente “malvada”, e não é o sistema desigual. Então, no caso de Metrópolis, vejo que o problema está no cara que estava mediando (que não existia, e passa a ser Freder), e não na política doida de Joh. No fim do filme, abrem um espaço para um “possível” acordo, mas esse assunto (dos trabalhadores) fica tão em segundo plano que, depois do aperto de mão, ninguém sabe o que realmente acontece...

Furioso
Doente por culpa da virada de Maria, Freder tem alucinações... Enquanto isso, a Maria “toca o terror”. O destaque agora vai, mais uma vez, para a MARAVILHOSA Brigitte Helm: tanto suas expressões corporais quanto a maquiagem da personagem nos mostra o lado sinistro do plano. Essa Maria é hipnótica: faz homens se matarem, o caos aparecer. E ao mesmo tempo, os sete Pecados Capitais estão fazendo a festa. Graças à precipitação dos operários, que destroem a máquina-coração, a mais importante da cidade, o lado operário de Metrópolis começa a inundar... Freder já se recuperou do “chilique” e já sabe que a Maria que está incitando os trabalhadores não é a sua Maria.
A Cidade dos Operários está inundando, tudo está o caos. Os operários que estão quebrando tudo se esquecem de um “detalhe” importante: onde estão as crianças? O pânico cresce porque sabem do início da inundação... Desesperado por descobrir que Freder está no meio da confusão, Fredersen pergunta para seu capacho, no momento mais emocionante do filme: “Onde está meu filho?” e a resposta é a seguinte: “Amanhã todos os trabalhadores estarão perguntando: 'onde estão nossos filhos?” É a clássica hora onde “só percebi o quanto é difícil depois que aconteceu comigo”...
Acredito que Fredersen ganha a redenção por ter feito essa pergunta e por ter se desesperado de verdade com o sumiço do filho. Por isso que ele é “perdoado”, apesar das besteiras que fez e por ter se tornado rico e poderoso às custas dos trabalhadores. Em filmes, isso é comum, os pais quando demonstram arrependimento sincero são perdoados. Outro ponto para a religião. O interessante é que rola a redenção, mas as coisas continuam como estão...
O momento “herói-venha-me-salvar” do filme: Freder recupera a verdadeira Maria, salva as criancinhas e tudo fica bem. O “grande vilão” (o cientista que criou a Frankestein) também já foi devidamente derrotado pelos “mocinhos”, a saber: Joh Fredersen e Freder. A unMaria, símbolo do caos e da luxúria foi pega e, claro, devidamente punida: na fogueira, ao som de gritos como “Peguem a bruxa!”




Claro, porque os grandes problemas eram ela e o cientista. Certo?
A parte sentimental está resolvida. Falta o principal. E a personagem mais importante nesse momento já está pronta. Maria se une ao seu amado, e lhe diz:
- “O cérebro e a mão querem se unir, mas falta o coração. Seja o mediador.”
E tudo termina com um belo aperto de mão, entre o representante dos Operários e Joh Fredersen, mediado por Freder. A cena me lembrou a fotografia do aperto de mão entre os líderes de Israel e Palestina, mediados pelos E.U.A., em 1993. Na vida real, apesar da bela foto, nada mudou. Ah, se um aperto de mão resolvesse tudo... Foi como eu disse na parte anterior: a questão do verdadeiro aué foi pra segundo plano; foi só o mediador (que por sinal, não é do povo; só viveu uma experiência-ruim-daquelas-que-mudam-a-nossa-vida) aparecer que ficou tudo certo. Vamos lembrar que isso é o mesmo de coisas do tipo “Angelina Jolie vai à África dar uma força aos africanos”: a ajuda é SEMPRE bem vinda, mas não adianta muita coisa se o próprio povo não correr atrás também. Outra coisa: só porque há um mediador, isso não significa que tudo vai ficar bem. Eu já disse isso antes aqui, mas é algo que precisa ser grifado, pois certamente todo patrão sabe das condições de trabalho dos seus subordinados. Ele só não se importa com elas. Existem inúmeras teorias que trabalham isso, não preciso enumerar. Já está mais do que provado que não é teoria de conspiração alguma. Por exemplo, se existe algum patrão (não vou dar nomes) que diz que é justo um trabalhador ganhar R$630 por mês, ele certamente sabe que a qualidade do serviço só será boa porque há o medo do desemprego. Porque nem ele consegue viver com tão pouco dinheiro. No próprio filme, Joh Fredersen vai pessoalmente ao buraco onde os trabalhadores se encontram para ouvir Maria. Ele sempre soube o que estava acontecendo com os trabalhadores, tanto é que seus esforços iniciais foram para anular os planos de motim, greve, o que fosse, e não para melhorar coisa alguma! Todo patrão sabe da importância de seus empregados. Só que ele está em uma posição em que os meios de produção encontram sob sua custódia. E isso faz muita diferença!
Enfim, apesar do final super decepcionante pra mim, eu continuo gostando do filme pelo leque de opções para discussão que ele pode dar. É realmente um marco no cinema mundial, tanto tecnicamente falando quanto emocionalmente. As cenas de Haim (descanse em paz!), por exemplo, são de tirar o fôlego: duvido que qualquer mulher que vivesse na década de 20 fosse capaz de fazer os movimentos que ela fez ou andar com aquela quantidade de roupa... Vale a pena, e eu aguardo a nova edição!

Curiosidades:

  • O filme foi o mais caro produzido na Europa até então, com muitos efeitos extraordinários e grandiosos. A cena da inundação foi que me impressionou mais. É o tipo de filme que PRECISA de um “making of” decente (não daqueles que tem nos DVDs agora).

  • Parte do filme desapareceu e fora encontrada há pouco tempo aqui na América do Sul. Em breve, haverá a reestréia do filme nos cinemas, devidamente completo.

  • Não sei como comprovar essa informação, mas em muitos fóruns de internet existem pessoas que afirmam que a cidade do Super-Homem, Metrópolis, tem esse nome por conta do clássico. Não conheço o gibi, então não sei dizer se o nome é só de “batismo” ou se existe alguma outra referência.

  • Ao assistirem ao filme reparem a estrutura arquitetônica e a disposição dos prédios da cidade. Não deixem também de relacionar isso à organização social. Dá um debate interessantíssimo.

  • A película chamou a atenção do partido nazista, fazendo com que Fritz Lang, o diretor, e Thea von Harbou, sua esposa na época, criadora e roteirista de “Metrópolis”, fossem convidados a integrar o partido. O casal se separou: Fritz decidiu ir para a França, enquanto Thea se uniu aos nazistas. Depois de Paris, onde fez filmes de conteúdo antinazista, Fritz foi morar nos Estados Unidos, e lá faleceu, em 1976. Já Thea von Harbou fora detida pelos britânicos, e até onde eu sei está viva.

O estranho dessa história toda é que o filme tem um grande apelo social democrata. E foi justamente sua criadora, Thea von Harbou, que ingressou no partido nazista. Apesar do final que, na minha opinião, fora habermasiana demais, há um princípio de revolução (acredito que estou usando o termo incorreto, mas...) onde pouco sangue é derramado (existem os homens que se matam por Maria e o aliado de Freder que é assassinado pelos demais operários), e as crianças são poupadas (porque é feio assassinar os pequenos). Não que eu esteja desejando o Apocalípse e que também esteja esquecendo que é uma obra de ficção, mas até pelo contexto social e político que a Alemanha vivia quando o filme foi lançado (o início do século XX para a Alemanha é um assunto complicado...) comparar o final conciliador com o que aconteceu na realidade é muito estranho. Provavelmente o casal Lang – von Harbou procurou encontrar um meio termo. Infelizmente me falta conhecimento do livro Maschinenmensch que certamente me daria maiores informações e me ajudaria a localizar melhor todos os sinais políticos...

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