Dando pitacos!

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E a estrela Intrometida existe mesmo!

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

E a melhor trama é ao vivo...

O cinema sempre me proporcionou um rico material para reflexão. É a partir dessa premissa que decidi montar uma pequena caravana para assistir ao filme "12 anos de escravidão". Achei que seria o filme da minha vida, ou algo do tipo. Me enganei completamente.

Lá pro meio do filme, uma galera começou a discutir. Motivo: um fulano estava falando sem parar durante toda a projeção. Um outro cara ficou puto, os dois começaram a berrar entre eles. Levantaram. Rolou ameaça. Todo mundo ficou prestando atenção. O filme parou. Alguém berrou dizendo que ia chamar a polícia. Não sei quem disse que conhecia alguém que era delegado (!!!). Alguém disse que ia matar alguém. O segurança chegou. Respirou fundo. Todos ficaram um pouco mais calmos. A luz apagou novamente. O filme voltou para um trecho onde todos ainda estavam vidrados. Tempos depois, a polícia chega. O filme para novamente. Os envolvidos na confusão são convidados a sair da sala. O filme volta a ser exibido. Surreal.

Às vezes preciso me lembrar que ainda vivo no século XXI. Aí eu penso em Adorno e em sua discussão sobre a Razão Iluminista. Sua conclusão é mais ou menos assim: somos fodões em tecnologia. A ciência nunca avançou tanto. Produzimos feito loucos. Dominamos a natureza, finalmente! Mas ainda assim, aceitamos tranquilamente coisas do tipo: amarrar pessoas sem roupas ao poste, a perpetuação da miséria, o descontrole social... essas bizarrices. Sua crítica, Adorno, nunca esteve tão atual... (exceto pelo Jazz, mas isso é papo pra outra hora.)

Faz um tempo que contei aqui uma situação que aconteceu numa boate do Rio. O que aconteceu no cinema conseguiu superar este episódio. Fico imaginando se alguém estivesse armado assistindo o filme. Volta e meia escuto uma história de alguém que morre por causa de uma discussão boba. Não foi o caso, por sorte. 

Curiosamente, a discussão base do filme é a questão da igualdade racial. Pega justamente essa ideia de que somos iguais, somos seres humanos. Esse tipo de conflito - o preconceito racial (posso usar o social também) - não deve ter espaço em uma sociedade. No contexto da história, já existiam os ideais de "liberdade, igualdade e fraternidade". Esses mesmos ideais que jogaram no lixo durante a exibição do filme. "Foda-se! EU QUERO O MEU BEM ESTAAAAAAAAAARRRRRRR!!", mesmo que isso gere uma contradição idiota: de defender o silêncio na sala de cinema aos berros. Não sei no que isso difere do senhor e da senhora da casa grande, que reconhece que há algo de errado na relação com o escravo, mas é incapaz de fazer alguma coisa de diferente do status quo, até porque, o que interessa sempre é seu bem estar (quem viu o filme sabe de que momento eu estou falando).

Outro ponto interessante do episódio bizarro (que foi apontado pra mim depois - eu estava muito chocada com a selvageria pra perceber... rs...): as pessoas que estavam discutindo eram todas brancas. Eram 4 pessoas (dois casais), e estávamos em um cinema da zona sul do Rio. O segurante era negro. Uma outra pessoa que assistia a confusão, levantou a situação: "se os papéis fossem invertidos, o resultado seria diferente." Concordei, faz sentido. Não faz muito tempo em que um policial negro foi revistado em um supermercado porque suspeitaram dele. Detalhe: a compra já estava paga. Achei a situação engraçada. Na verdade, mais do que engraçada. Mas, voltando ao caso do cinema, acho que aconteceria algo bem parecido com eles se fosse ao contrário. Faz sentido. Volto a pensar em Adorno. A reflexão dele faz sentido. Mas nada continua fazendo sentido na vida prática.

Depois que o filme acabou, não fiquei pensando na história. Na verdade, nem achei que era tudo isso, mas isso é discussão pra outro dia. Fiquei pensando na confusão, na ausência da razão. 

Que desânimo.

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