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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Do Oscar: "Sniper Americano"

Primeiro eu preciso contar o que me motivou a assistir “American Sniper”: tempo livre.

É isso, eu não tinha muita coisa pra fazer, estava esperando alguém no shopping, ou algo do tipo, e tentei assistir “50 tons de cinza”, mas era o dia da estreia e as sessões estavam lotadas, então eu não pensei duas vezes, comprei o ingresso.

É CLARO que me arrependi. E não é pelos motivos óbvios.

“American Sniper” é o tipo de filme que não tem história.
Como assim, não tem história!?
É assim, ó: pega um cara que poderia ter uma história interessante, que poderia puxar discussões incríveis, e decida não desenvolver nenhum desses itens para no fim discutir sobre absolutamente nada e, no fim das contas, massagear o ego de toda uma nação. Isso é o “American Sniper”.

Gente, não vai ter como comentar sem spoiler. Porque não tem história (no sentido de dramaturgia, não de biografia) pra ser contada.

O filme começa remetendo ao passado do Chris Kyle - o tal sniper que contabilizou 160 mortes em guerra em um período de 10 anos. Aí é aquela infância clássica do Texas, né. Igreja, caçada, amém. Aí eu pensei “ah, o pai dele batia nele”. Cara, não era bem assim. O cara teve uma vida até que normal. O pai ficou no pé dos filhos (ele tinha um irmão) inserindo ideias do tipo Nietzsche, “sejam aves de rapinaaaa!” (não foi essa analogia que foi apresentada no filme, mas a ideia é essa, não ser os caras que fazem a merda [que são covardes], nem ser os caras que sofrem a merda [que são cagões – ou quase isso], mas ser o terceiro elemento, aquele que decide, que resolve, o elemento forte). Enfim, não justificou muito, pelo menos pra mim, o fato de ser um sniper. Na verdade, só mostra o encadeamento lógico: ele atirava muito bem, aprendeu com o pai durante a infância, então foi fácil pra ele se tornar sniper (mais pra frente ficamos sabendo que ele entrou um pouquinho velho pra SEAL, 30 anos, então não havia muitas coisas pra ele fazer, ele só poderia se destacar nisso mesmo).

Aí, ok. Chega na fase adulta do Kyle. Ele vivia de rodeio em rodeio, com o irmão, tentando uma carreira. Esse é o segundo momento do filme que eu fiquei pensando que algo iria acontecer, mas, nada de novo: os consulados dos EUA sofrem atentados, Kyle vira pra TV e sente que “precisa defender o país”. Assim, sem mais nem menos, sem qualquer discussão. De uma hora pra outra, ele resolve se alistar. Acabou essa parte.

Chega na fase de alistamento e treinamento do Kyle. Eu fiquei esperando aquelas cenas tipo “Tropa de Elite”: “Pede pra sair!!!!”. Até tem, mas nada que supere o treinamento de Capitão Nascimento. Eu jurava que seria o início de uma propaganda dos SEALS, mas ninguém é maltratado, rola um “bullying” em um gordinho (que depois, claro, perde peso), mas... nada de novo. Só cenas do tipo “ele sofreu no treinamento, mas teve determinação e foi até o fim” - é quando ficamos sabendo da idade dele quando ingressou no exército. E pronto, nenhum drama.

Aí ele conhece a futura esposa. E eles se apaixonam. E se casam. E é isso.

Nesse meio tempo, rola o 11 de setembro. Aí ele vai pra guerra.
E mata pela 1ª vez. E é uma criança. E, não. Ele não se arrepende de nada. Não sofre, não tem crise ética, nada; e ele salva o dia várias vezes. Algumas ele não consegue, mas... como não tem nenhum vilão personificado – perdão, até tem uns “eleitos”, que são eliminados pelo caminho... enfim, nada que vingue. Kyle está cada vez mais convicto no seu papel, de fazer a proteção dos Estados Unidos (guerra que nunca chegou ao território americano). Kyle não recusa o seu apelido, “Lenda”, ao mesmo tempo, representa o pensamento do que eu acredito que seja o norte-americano médio: “eles estão nos atacando”, “nós precisamos nos defender”. Sem muita crítica, classifica o seu inimigo como “selvagens” (nessa hora, tocou na minha cabeça a musiquinha do filme “Pocahontas”, que dizia: “São bárbaros! Bárbaros!”), e não há ninguém pra lhe dizer o contrário, ou discutir sobre essa questão.

Em alguns momentos ele volta pra casa. Fica tendo aquelas coisas esquisitas que todo mundo que volta da guerra tem. Aí eu penso: “ah, tá, então o filme vai focar naquela luta da volta pra realidade...”, e não, de novo. Não acontece nada.

Aí ele volta pra guerra. A esposa fica nervosa. Reclama que ele tá perdendo o crescimento dos filhos. Ameaça se separar, e... nada. Ele volta, amoroso, se esforça.

Nessa altura do campeonato, eu já tinha desistido de encontrar uma trama. Não há uma história a ser contada, e sim feitos. O filme todo é uma homenagem aos feitos de Kyle. Ele nunca é mostrado como alguém desprezível (pelo menos, não para os americanos), ou questionador. Sua participação na guerra termina, e ele literalmente não se arrepende de nada (diz que vai prestar contas a Deus, apenas). Aí, como terapia (ocupacional?), ele passa a acompanhar veteranos de guerra. E estaria vivendo bem assim, até hoje, se não fosse morto em 2013 por um veterano (que também não sabemos as motivações para o tal ato, e o filme não se atreve a propor nenhuma interpretação disso também). O filme também não cita o momento em que Kyle resolve contar sua história em livro.

O filme dá ao espectador (provavelmente o norte-americano) o herói que tantos procuram; aquele que estava sempre pronto a servir e proteger; o mártir. Em relação a esse último aspecto, mesmo com Kyle tendo morrido fora de combate, o filme é claro em mostrar que ele era adorado (usa fotos e imagens reais do velório, e são impressionantes), e com o fato do militar não se arrepender de nenhuma das mortes contabilizadas (pois estava defendendo seu país, e isso, pelo visto, está acima de qualquer ideia de humanidade). Logo, o filme dá aos nacionalistas o que eles querem.

Brilhante estava a caracterização do Bradley Cooper. Ganhou massa legal, caprichou no sotaque. Ok, fiquei puta por ele ser um dos produtores, o que só me leva a crer que ele será um George Clooney às avessas – se um é humanista, ele é... sei lá, carniceiro.

Rendida (e puta da vida), aguardo os créditos finais. E aí vem a maior cretinice que já foi realizada comigo em uma sessão de cinema: após as fotografias finais (foi um show de power point muito sóbrio, bonito, você tem que ver), a música acaba. E sobem os créditos. Em silêncio. Ora, você está vidrado no filme (não significa que está gostando, mas está prestando atenção [vi esse filme uma vez, antes do carnaval, e fui capaz de descrevê-lo aqui, então eu realmente estava prestação atenção no que estava vendo]), a sala toda em silêncio, a cena final foi lamentando a morte do cara, e...

… cara, eu prestei tributo a esse cara, sem eu querer.

Tipo, “1 minuto de silêncio”, sabe?

Quando eu percebi que A SALA TODA ESTAVA EM SILÊNCIO, peguei meu celular, desesperadamente, pra tentar ligar pra alguém, fazer algum barulho, pra quebrar aquele clima maldito. Na verdade, o filme é muito cru em relação a música. Também, faz sentido: como não tem aquela montanha russa de emoções que a dramaturgia faz, resultando numa parada muito maior (como diria Aristóteles... cadê a catarse???), então não tem muita música não.

Tem tiro. Muito tiro.

Enfim, voltando ao meu problema de fim de filme: achei aquilo super cretino. Imaginei uma sala IMAX nos EUA com aqueles caras que concordam com tudo aquilo que Kyle defendia, e eles estariam chorando de emoção.

Não. Não, não, não.

Esse foi o meu maior problema com esse filme. Essa manipulação.
Até perdi a vontade de fechar melhor esse texto, lembrando do que eu senti ao final desse filme.


Taí. Esse é o grande mérito de “American Sniper”: me levar, sem eu querer mesmo, ao tributo a um dos maiores assassinos da história recente da humanidade.

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