Primeiro eu preciso contar o que me
motivou a assistir “American Sniper”: tempo livre.
É isso, eu não tinha muita coisa pra
fazer, estava esperando alguém no shopping, ou algo do tipo, e
tentei assistir “50 tons de cinza”, mas era o dia da estreia e as
sessões estavam lotadas, então eu não pensei duas vezes, comprei o
ingresso.
É CLARO que me arrependi. E não é
pelos motivos óbvios.
“American Sniper” é o tipo de
filme que não tem história.
Como assim, não tem história!?
É assim, ó: pega um cara que poderia
ter uma história interessante, que poderia puxar discussões
incríveis, e decida não desenvolver nenhum desses itens para no fim
discutir sobre absolutamente nada e, no fim das contas, massagear o ego de toda uma nação. Isso é o “American Sniper”.
Gente, não vai ter como comentar sem
spoiler. Porque não tem história (no sentido de dramaturgia, não
de biografia) pra ser contada.
O filme começa remetendo ao passado do
Chris Kyle - o tal sniper que contabilizou 160 mortes em guerra em um
período de 10 anos. Aí é aquela infância clássica do Texas, né.
Igreja, caçada, amém. Aí eu pensei “ah, o pai dele batia nele”.
Cara, não era bem assim. O cara teve uma vida até que normal. O pai
ficou no pé dos filhos (ele tinha um irmão) inserindo ideias do
tipo Nietzsche, “sejam aves de rapinaaaa!” (não foi essa
analogia que foi apresentada no filme, mas a ideia é essa, não ser
os caras que fazem a merda [que são covardes], nem ser os caras que
sofrem a merda [que são cagões – ou quase isso], mas ser o
terceiro elemento, aquele que decide, que resolve, o elemento forte).
Enfim, não justificou muito, pelo menos pra mim, o fato de ser um
sniper. Na verdade, só mostra o encadeamento lógico: ele atirava
muito bem, aprendeu com o pai durante a infância, então foi fácil
pra ele se tornar sniper (mais pra frente ficamos sabendo que ele
entrou um pouquinho velho pra SEAL, 30 anos, então não havia muitas
coisas pra ele fazer, ele só poderia se destacar nisso mesmo).
Aí, ok. Chega na fase adulta do Kyle.
Ele vivia de rodeio em rodeio, com o irmão, tentando uma carreira.
Esse é o segundo momento do filme que eu fiquei pensando que algo
iria acontecer, mas, nada de novo: os consulados dos EUA sofrem
atentados, Kyle vira pra TV e sente que “precisa defender o país”.
Assim, sem mais nem menos, sem qualquer discussão. De uma hora pra
outra, ele resolve se alistar. Acabou essa parte.
Chega na fase de alistamento e
treinamento do Kyle. Eu fiquei esperando aquelas cenas tipo “Tropa
de Elite”: “Pede pra sair!!!!”. Até tem, mas nada que supere o
treinamento de Capitão Nascimento. Eu jurava que seria o início de
uma propaganda dos SEALS, mas ninguém é maltratado, rola um
“bullying” em um gordinho (que depois, claro, perde peso), mas...
nada de novo. Só cenas do tipo “ele sofreu no treinamento, mas
teve determinação e foi até o fim” - é quando ficamos sabendo
da idade dele quando ingressou no exército. E pronto, nenhum drama.
Aí ele conhece a futura esposa. E eles
se apaixonam. E se casam. E é isso.
Nesse meio tempo, rola o 11 de
setembro. Aí ele vai pra guerra.
E mata pela 1ª vez. E é uma criança.
E, não. Ele não se arrepende de nada. Não sofre, não tem crise
ética, nada; e ele salva o dia várias vezes. Algumas ele não
consegue, mas... como não tem nenhum vilão personificado –
perdão, até tem uns “eleitos”, que são eliminados pelo
caminho... enfim, nada que vingue. Kyle está cada vez mais convicto
no seu papel, de fazer a proteção dos Estados Unidos (guerra que nunca
chegou ao território americano). Kyle não recusa o seu apelido,
“Lenda”, ao mesmo tempo, representa o pensamento do que eu
acredito que seja o norte-americano médio: “eles estão nos
atacando”, “nós precisamos nos defender”. Sem muita crítica,
classifica o seu inimigo como “selvagens” (nessa hora, tocou na
minha cabeça a musiquinha do filme “Pocahontas”, que dizia: “São
bárbaros! Bárbaros!”), e não há ninguém pra lhe dizer o
contrário, ou discutir sobre essa questão.
Em alguns momentos ele volta pra casa.
Fica tendo aquelas coisas esquisitas que todo mundo que volta da
guerra tem. Aí eu penso: “ah, tá, então o filme vai focar
naquela luta da volta pra realidade...”, e não, de novo. Não
acontece nada.
Aí ele volta pra guerra. A esposa fica
nervosa. Reclama que ele tá perdendo o crescimento dos filhos.
Ameaça se separar, e... nada. Ele volta, amoroso, se esforça.
Nessa altura do campeonato, eu já
tinha desistido de encontrar uma trama. Não há uma história a ser
contada, e sim feitos. O filme todo é uma homenagem aos feitos de
Kyle. Ele nunca é mostrado como alguém desprezível (pelo menos,
não para os americanos), ou questionador. Sua participação na
guerra termina, e ele literalmente não se arrepende de nada (diz que
vai prestar contas a Deus, apenas). Aí, como terapia (ocupacional?),
ele passa a acompanhar veteranos de guerra. E estaria vivendo bem
assim, até hoje, se não fosse morto em 2013 por um veterano (que
também não sabemos as motivações para o tal ato, e o filme não
se atreve a propor nenhuma interpretação disso também). O filme
também não cita o momento em que Kyle resolve contar sua história
em livro.
O filme dá ao espectador
(provavelmente o norte-americano) o herói que tantos procuram;
aquele que estava sempre pronto a servir e proteger; o mártir. Em
relação a esse último aspecto, mesmo com Kyle tendo morrido fora
de combate, o filme é claro em mostrar que ele era adorado (usa
fotos e imagens reais do velório, e são
impressionantes), e com o fato do militar não se arrepender de
nenhuma das mortes contabilizadas (pois estava defendendo seu país,
e isso, pelo visto, está acima de qualquer ideia de humanidade).
Logo, o filme dá aos nacionalistas o que eles querem.
Brilhante estava a caracterização do
Bradley Cooper. Ganhou massa legal, caprichou no sotaque. Ok, fiquei
puta por ele ser um dos produtores, o que só me leva a crer que ele
será um George Clooney às avessas – se um é humanista, ele é...
sei lá, carniceiro.
Rendida (e puta da vida), aguardo os
créditos finais. E aí vem a maior cretinice que já foi realizada
comigo em uma sessão de cinema: após as fotografias finais (foi um
show de power point muito sóbrio, bonito, você tem que ver), a
música acaba. E sobem os créditos. Em silêncio. Ora, você está
vidrado no filme (não significa que está gostando, mas está
prestando atenção [vi esse filme uma vez, antes do carnaval, e fui
capaz de descrevê-lo aqui, então eu realmente estava prestação
atenção no que estava vendo]), a sala toda em silêncio, a cena
final foi lamentando a morte do cara, e...
… cara, eu prestei tributo a esse
cara, sem eu querer.
Tipo, “1 minuto de silêncio”,
sabe?
Quando eu percebi que A SALA TODA
ESTAVA EM SILÊNCIO, peguei meu celular, desesperadamente, pra tentar
ligar pra alguém, fazer algum barulho, pra quebrar aquele clima
maldito. Na verdade, o filme é muito cru em relação a música. Também, faz sentido: como não tem aquela montanha russa de emoções que a dramaturgia faz, resultando numa parada muito maior (como diria Aristóteles... cadê a catarse???), então não tem muita música não.
Tem tiro. Muito tiro.
Enfim, voltando ao meu problema de fim de filme: achei aquilo super
cretino. Imaginei uma sala IMAX nos EUA com aqueles caras que
concordam com tudo aquilo que Kyle defendia, e eles estariam chorando
de emoção.
Não. Não, não, não.
Esse foi o meu maior problema com esse
filme. Essa manipulação.
Até perdi a vontade de fechar melhor
esse texto, lembrando do que eu senti ao final desse filme.
Taí. Esse é o grande mérito de
“American Sniper”: me levar, sem eu querer mesmo, ao tributo a um
dos maiores assassinos da história recente da humanidade.
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