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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Do Oscar: "O Jogo da Imitação" (e esse é um filme de amor)

Filme que poderia dar a Benedict Cumberbatch o Oscar (tenho quase certeza de que não vai, explicarei melhor ao fim do texto, mas tá todo mundo preferindo o água-com-açúcar “A Teoria de Tudo” e o canastrão Eddie Redmayne) é mediano em relação ao que (aparentemente) se propôs: mostrar em como o gênio da matemática, Alan Turing, mudou o cenário da 2ª guerra mundial. Ok, é difícil inserir uma aula sobre criptografia em um filme com aparente foco na guerra, fica tudo muito raso no fim das contas. Um dos benefícios de se estudar História é aprender o passado e fazer o link com o presente, pra evitar antigos erros e talvez mudar as coisas. Acho muito difícil que o espectador médio, que assistiu “O Jogo...” vá fazer essa conexão e pensar que hoje em dia a questão das mensagens criptografadas ganhou uma importância e uma dimensão muito maior do que Turing poderia imaginar – é só dar uma olhada nos noticiários pra perceber o espaço que a troca de mensagens e a disseminação de informação ganhou nos últimos conflitos mundiais, graças à internet. Hoje estamos tentando discutir “segurança” na internet, e em vários momentos eu pensei sobre isso, e no quanto de informação importante (não tô falando em coisas bobas, tipo o meu relato de final de semana no Facebook, por exemplo) passa por mim de forma invisível. Tudo isso graças a muitos mecanismos, um deles a criptografia. O filme até tenta ser didático, fazendo uma analogia com aquela prática que a gente tem quando criança, de codificar nossas mensagens (e depois nos esquecemos dos códigos que nós mesmos criamos, hilário!), ao mostrar o jovem Alan com seu amigo Christopher.

Mas, então, eu disse que o filme é um pouco raso nesse sentido, né? É porque tem outro grande tema envolvido: a sexualidade de Turing, em um período onde ser gay era o equivalente a ser criminoso aos olhos da lei e da sociedade. (Hoje é só aos olhos da sociedade: apesar do discurso querer mostrar o contrário, a prática ainda é punir socialmente os gays, lésbicas, trans e bisexuais. Infelizmente estamos muito longe de uma sociedade que respeita DE VERDADE o próximo...)

Esses dois grandes (grandes!) temas se confundem e, no fim das contas, um acaba prevalecendo sobre o outro.

Saí da sessão firme: o filme não era bem sobre a guerra, mas sobre um homem e sua afirmação enquanto gay perante a sociedade. Era uma história de amor, entre Turing e Christopher (ainda que representado por uma máquina). Ponto.

Turing era um matemático brilhante. Em nenhum momento isso ele se sente menos inteligente. Nunca duvidou de sua própria teoria, embora tenha passado por dificuldades, apenas a ajustou. O que ele fez dentro do exército ele poderia ter feito em escala menor dentro da Universidade. As diferenças eram a falta de motivação (que veio com a guerra), e a grana, claro. Mas eu, enquanto espectadora, não tinha dúvidas de que isso não era bem uma questão para Turing, mas sim um desdobramento natural dentro de sua carreira como matemático.

A sua grande luta foi contra o preconceito.

O filme é bem sutil ao mostrar momentos da infância de Turing e a sua relação com Christopher. As trocas de bilhetes, influências (ainda bem que Christopher era um menino superinteligente! Sabe quando você está com alguém e esse alguém só te puxa pra cima? Te estimula a pensar, a ler... Foi essa sensação que tive...), o companheirismo (quando ele salva Alan de uma situação horrorosa – prefiro nem descrever, porque rola uma claustrofobia só em pensar...). A cena em que o diretor da escola avisa que Christopher morreu é de cortar o coração. E é o primeiro contato forte, institucional, de Alan com a homofobia. Ele se segura firme pra não demonstrar nada – é a sua primeira lição de sobrevivência em um mundo preconceituoso.

Assim como na sua relação com a matemática, Turing também não demonstra qualquer dúvida ou algum arrependimento por ser gay. Nenhuma. E esse é um ponto a favor pro filme. Sempre que vejo filmes sobre/ com temática gay, é pelo viés “saída do armário” (não estou falando de filmes mais contemporâneos ou super independentes, tô falando do mainstream mesmo): todo o sofrimento em se aceitar ou não, o primeiro amor não correspondido, a tentativa de ser hetero... Esse, não. Alan Turing se aceita como ele é. Gosta de homem, e ponto (embora entenda que exercer isso é difícil na sociedade em que vive). Tem isso bem claro na sua mente, não manda o caô de que vive lutando contra seus demônios internos, não fica fazendo cara de nojinho... A única vez que ele se submete ao contrário, é por conta da punição por seu “crime”: precisa ficar ingerindo substâncias que, supostamente, vão inibir seu desejo por outros homens. Até ele sabe que isso é palhaçada. Mas era melhor que viver na prisão, longe de Christopher, agora personalizado em uma máquina. Quando ele pede Joan Clarke em casamento, é muito claro pra mim (e acredito que seja pra todo ser vivo pensante que viu o filme) que ele faz isso em nome do projeto de criação da máquina. Ela é uma pessoa bacana, inteligente, mas... não rola. E ele nem tenta! No filme todo ele não dá um beijo nela! E quando eles “terminam”, ele é bem claro: “Filha, eu gosto de homens...” Ela diz algo tipo: “Tá, eu meio que já sabia, mas a gente vive um casamento de aparências, então”. Ele: “Filha, eu não vou deixar de pegar os homens, aí você vai acabar se ferrando...” (diálogo inventado, mas o sentido é mais ou menos esse.) Alan Turing já tá fora do armário (pra si) há muito tempo! Ok, ele não andava enrolado na bandeira arco-íris, mas... ele não se negava enquanto gay. Simples assim.

Essa é a beleza do filme. Esse É O FILME, pra mim. A Grande Guerra é só um pretexto pra nos mostrar a sua guerra diária, que é ser alguém que vai na contramão do que a sociedade dita.

E quando ele está nas últimas (falando nisso, essas sequências são super teatrais...), quem ele quer ter ao lado? Christopher (a máquina). Seu amor, sua homenagem àquele que fora arrancado da sua vida.

Nada me tira da cabeça de que “O Jogo da Imitação” é um filme de amor.

E o que eu posso falar de Cumberbatch? Um fofo. Mas ele precisa parar de fazer “Sherlock”. Sério. Me corta o coração dizer isso, mas não aguento mais. Tinha cenas que não era o Alan Turing falando, mas era o Sherlock Holmes. E a culpa nem era bem da interpretação do Cumberbatch, não... o cara se deu o trabalho de mudar o seu tom de voz, sua postura, o ritmo... Era a construção do texto mesmo. Me diz se não é “muito Sherlock” a sequência que mostra como que Turing conseguiu a autorização e o dinheiro pra construir a máquina? Sherlock Holmes total! O início do filme, então... a primeira impressão que tive de Turing foi de que ele era tão obsessivo quanto Sherlock. A medida que o tempo passa, os dois personagens vão se distanciando – até porque Turing é super gay, e Sherlock é super... Sherlock, rs. Enfim. Gosto muito da série da BBC, mas ele não pode se resumir ao Sherlock.

Só que não é por isso que acho que ele não vai ganhar o Oscar, não. (porque tem um monte de gente que faz sempre o mesmo papel e ganha um monte de coisa)

Eu acho que ele não deve ganhar porque o personagem que ele interpreta é muito, muito, gay. E a Academia não gosta de gays.

Ah, mas como assim? O Jared Leto ganhou no ano passado por uma personagem trans...
  1. era uma personagem coadjuvante.
  2. o filme discutia sobre a AIDS e a indústria de remédios.
  3. o filme não discutia, em primeiro plano, sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo. E sim sobre um problema que passou a afetar héteros também.

Sabe qual filme discutia sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo? “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005). Seus dois atores, Heath Ledger e Jake Gyllenhaal, foram indicados no Oscar 2006. Não tenho nem ideia de como imaginar o processo de criação que resultou em dois atores héteros fazendo cenas de amor tão fortes. Mas eles foram valentes, seguraram a onda, mostraram ao que vieram. Foi o filme da vida deles. Desse ponto em diante, eles foram considerados Atores. Mas a Academia cagou pra isso.

Tudo bem, é mais que obrigação o ator fazer muito bem o seu papel. E no fim das contas, o que fica pra posteridade é o impacto que aquilo tem no público, e não necessariamente os prêmios que aquele filme ganha. Por isso, Heath Ledger, por exemplo, será lembrado pra sempre por seu Ennie Del Mar e, posteriormente, pela excelente construção de seu Coringa (ironicamente Jared Leto herdou esse papel...).

O que eu quero provar é que existe uma questão política muito forte nisso. Ok, Hollywood é cheeeeeia de gays nos bastidores, atores são gays, diretores são gays (não sei citar nenhum, mas deve ter), mas... temos um problema de representatividade frente às telas. Assim como personagens/ intérpretes negros ganhando o prêmio é uma coisa rara de se ver (esse ano não há nenhum grande indicado negro), ver um gay assumido levando o caneco é igualmente raro. E ver um personagem histórico gay (interpretado por um hétero) ganhando o reconhecimento mundial... é muito difícil. Lembra quando disse lá no início do texto que existem as leis sociais? Então. Acho que será por causa disso que não vai ser dessa vez pro Cumberbatch. Se for, eu vou ficar muito surpresa. Muito MESMO. Mas eu duvido, uma vez que tá saindo um monte de prêmios pro insosso e igualmente playboy Eddie Redmayne e pro Michael Keaton.

E pra fechar esse texto, ainda na questão da representatividade, lembro do final do filme e suas letrinhas que contam “o fim da história”: lá pelas tantas, o filme informa, todo orgulhoso, que Alan Turing recebeu o perdão da Rainha Elizabeth II em 2013.

Lembra que eu falei das “leis sociais”?

Pra alguém receber o perdão de algo, precisa ter feito algo de errado.


Qual foi o erro de Turing mesmo?

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